Taís
Castanhos

Cinco e meia da manhã e encontrei comigo mesma no espelho iluminado do banheiro. Outra vez não era noite nem dia, era a minha hora. A hora do que está por vir e talvez pela primeira vez eu não tenha a menor ideia do que virá.
Olhei para bancada da pia. A marca habitual de creme dental, os mesmos sabonetes, loções e xampus. O mesmo perfume, o cheiro da minha avó.
Olhei novamente para o espelho e perguntei: " Ainda sou eu aqui?".
Tudo a minha volta dizia que sim, mas a imagem no espelho gritava que não.
Quem é a forasteira? Pálida imagem daquela que fui ou suave esboço daquela que serei? Serei? — pensei eu.
Ainda existe indicativo quando tudo no mundo está tão subjuntivo?
As perguntas congelaram a imagem aprisionada no reflexo, enquanto eu procurava algo familiar, algo que me trouxesse novamente para o momento presente. É aqui que precisava estar; nem aquém, nem além.
Os fios de cabelo branco, os três furos em cada orelha, o sinalzinho perto da boca, que é igual ao do meu pai.
Estava tudo ali, mas nem isso me fez emergir do momentâneo torpor. Onde está a Rosa dos Ventos? Para onde foi a Flor do Tempo?
Aproximei-me do espelho, já sem muita esperança de encontrar alguma cor. Mas sempre há cor enquanto há vida, não é verdade?
No fundo dos meus olhos eu vi o reflexo do sol. Vi os olhos dos meus filhos. Vi os olhos da ancestral distante que não conheci, mas que sei, correu livre pelas paisagens alentejanas. As nozes e avelãs, o mel suave de eucalipto, o pinhão, o pelo do cavalo crioulo colorado — eis-me ali, em todos os espectros do castanho.
Foi onde encontrei comigo mesma, numa madrugada aleatória de maio. Em meio à pandemia que a cada segundo transforma o mundo, e que transforma a mim também enquanto os minutos passam.
Já é hora de acordar e mal dormi, mas hoje não vou dormir sozinha.
Tenho a mim como companhia.